Começo confirmando que sim, você leu certo, o animal não está errado. Não falarei sobre o leão, mas sim sobre girafas para lançar um ponto de reflexão sobre a reforma tributária. Siga aqui, logo ficará mais claro.
A Fundação Hermann Weege é uma entidade sem fins lucrativos que firmou contrato de permuta com uma instituição similar norte-americana para a troca, pura e simples, de trinta e duas aves nacionais por três girafas. Ao chegarem em território brasileiro, as girafas foram taxadas por tributos incidentes sobre a importação de mercadorias, especialmente PIS/COFINS importação.
Primeiro destaque: a Fundação Hermann Weege é uma instituição sem fins lucrativos que se tornou a mantenedora oficial do zoológico Zoo Pomerode. Conforme o estatuto da Fundação, trata-se de uma entidade voltada para atividades culturais e educativas da região. Atualmente, o Zoo Pomerode é o maior bioparque de Santa Catarina e o maior Centro de Conservação de Biodiversidade, contando com 1.011 animais de 242 espécies diferentes, sendo 26 delas ameaçadas de extinção.
Ainda assim, a imunidade não foi considerada porque a Entidade não possuía um dos certificados exigidos para que pudesse importar sem a incidência dessas contribuições.
Segundo destaque: a operação jurídica é de permuta e não de compra e venda. Houve indicação de valores aos animais em face do contrato de seguro de transporte, mas não houve transação financeira. A permuta também foi desconsiderada e os valores utilizados para fins de seguro serviram como base para o auto de infração federal.
Terceiro destaque: alegou-se que girafas não são mercadorias ou bens (ativos imobilizados) que poderiam se sujeitar à tributação na importação.
Por fim, as girafas, mesmo não sendo consideradas “mercadorias de peso” ou “bens de movimentação lenta”, foram tributadas por PIS e COFINS importação, ao final da ação judicial proposta pela Fundação que questionava o auto de infração.
Só nesse caso já há diversos conceitos tributários em discussão: imunidade, operação jurídica de permuta versus contrato de compra e venda e o conceito de mercadoria e bem. Todos esses conceitos são amplos, geram imensas discussões e, por consequência, diversos contenciosos.
Ainda sobre conceitos e contencioso, você já sabe, mas não custa lembrar a diferença entre sorvete e sobremesa láctea que permite que empresas de fast food reduzam a tributação sobre sorvetes. Embora possam parecer similares, há uma diferença sutil que permite aos estabelecimentos a diminuição da carga tributária sobre os sorvetes.
A distinção baseia-se na composição dos ingredientes, em particular no teor de gordura e na quantidade de leite presente. Esses detalhes determinam se o produto será classificado como sorvete ou sobremesa láctea, o que acarreta diferentes alíquotas de impostos. Esse exemplo ilustra como as nuances das definições legais podem ter impactos significativos nos aspectos fiscais e comerciais.
Outro exemplo, nessa mesma linha de confusão tributária, é o bombom Sonho de Valsa. É uma triste realidade que a sua essência tenha sido alterada devido a essas questões tributárias. Para enquadrar o bombom como wafer e, assim, reduzir a tributação, foi necessária uma modificação na embalagem e na sua composição. E essa mudança retirou parte do prazer nostálgico de abrir o bombom, que costumava ser uma experiência única e especial.
Essa situação nos faz refletir sobre como as exigências fiscais podem impactar não apenas aspectos financeiros, mas também o produto em si, alterando a sua essência e a forma como o apreciamos.
São exemplos que ressaltam a importância de definir conceitos tributários de forma clara e precisa, evitando consequências indesejadas que afetem até mesmo a experiência dos consumidores.
Veja que a simplificação tributária vai além da redução do número de tributos. É preciso que o legislador traga conceitos claros que não permitam interpretações abertas e arbitrárias.
A crítica que este artigo pretende trazer aqui é esta: o texto da reforma tributária discutido e rediscutido pelos legisladores foi alterado às pressas, colocado em votação numa sessão atropelada e traz diversos conceitos abertos que serão chamariz de várias controvérsias.
Para ilustrar, apresento para reflexão o inciso II do quinto parágrafo do artigo 156-A da PEC 45/2019, o qual atribui ao legislador ordinário a responsabilidade de estabelecer as situações em que o aproveitamento do crédito do novo IBS estará sujeito à comprovação do efetivo recolhimento do imposto incidente na operação anterior.
O texto atual busca garantir que os tributos sejam recolhidos pelo adquirente ou em um regime de “split payment“, com base em um sistema de antecipação do valor total, a fim de posteriormente ajustar os créditos correspondentes.
Essa parte do texto sofreu modificações recentemente no novo projeto e pode gerar controvérsias tão relevantes quanto as girafas “importadas”, “taxadas” e “nacionalizadas” pela entidade sem fins lucrativos.
Continue lendo sobre reforma tributária. Aproveite a visita em nosso blog e descubra como a transição do ICMS para o IBS vai impactar cada estado brasileiro.
Tributarista, consultora e palestrante. Professora na Live University. Experiência de 25 anos em escritórios de advocacia e empresas multinacionais, com Impostos Indiretos (ICMS, ISS, IPI, PIS, COFINS), Imposto de Renda (IR e CSLL), tributos incidentes sobre a Folha de Pagamento (INSS, FGTS, IRRF), planejamento tributário, fusões e aquisições e reorganizações societárias, modelagem tributária empresarial, consultas fiscais, regimes aduaneiros, avaliação de riscos tributários e due diligence e vasta experiência com projetos SPED.