Desoneração da folha de pagamento: “circo sem lona” ou a “casa da mãe Joana”?

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Desoneração da folha de pagamento

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Explore a trajetória turbulenta da desoneração da folha de pagamento no Brasil e seu impacto econômico. Uma análise imperdível por Ana Lidia Cunha.

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O debate sobre a complexidade das normas trabalhistas é um tópico constante entre os especialistas do mercado de trabalho. A simplificação dessas normas sempre foi sugerida para melhorar o mercado para fomentar emprego e renda. De fato, os altos custos associados ao emprego são frequentemente vistos como barreiras ao dinamismo e à competitividade da economia brasileira.

Neste cenário, a Lei n.º 12.546 de 2011 foi promulgada como parte do Plano Brasil Maior (PBM). Essa lei, que deslocava a contribuição previdenciária patronal da folha de salários para a receita bruta — adotando uma alíquota que visa manter a arrecadação — foi criada visando dinamizar o mercado de trabalho nos setores beneficiados pela desoneração.

Não há um consenso nas pesquisas empíricas dos impactos da desoneração da folha de pagamentos sobre o emprego e a competitividade e isso gerou a reavaliação da pertinência da continuidade desse instituto no cenário atual de realinhamento do “arcabouço fiscal”, bem como a gestão da dívida pública.

Até agora, é compreensível. Revisar e reavaliar políticas públicas, especialmente às relacionadas à desoneração fiscal, é um componente crucial da gestão econômica. A crítica contundente se volta para a maneira instável com que essas políticas são aplicadas. Os profissionais da área de direito tributário frequentemente se sentem como se estivessem enfrentando crises de labirintite devido aos constantes altos e baixos dessas políticas.

Desoneração da folha de pagamento

Vamos relembrar o início dessa estória?

Através da Medida Provisória 540, transformada na Lei n.º 12.546 em 14 de dezembro de 2011, alguns setores foram diretamente beneficiados, incluindo tecnologia da informação e comunicação, e indústrias de móveis. Essa lei substituiu a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos por uma incidência sobre a receita bruta.

Esse “novo tributo” consistia na aplicação de uma alíquota ad valorem de 1% ou 2% sobre a receita bruta mensal, dependendo do setor econômico classificado na CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) e do produto fabricado arrolado na nomenclatura comum do Mercosul (NCM).

Em sequência, a Medida Provisória 563, do ano seguinte, aumentou em um ponto percentual a alíquota da COFINS-importação para produtos beneficiados pela MP 540 em 2011, ampliando o financiamento da desoneração da folha de pagamento. Mais adiante, a MP 582, de 20 de setembro de 2012, estendeu a desoneração a setores como transportes, serviços, alimentos, entre outros, embora alguns setores tenham sido vetados na conversão desta MP na Lei 12.794, devido à Lei de Responsabilidade Fiscal.

A expansão continuou em 2012 com a MP 601, que estendeu os benefícios fiscais para 42 setores da economia. Em 2013, a MP 612 desonerou a folha de pagamentos para 56 setores.

Entretanto, a partir de 2015, começou um movimento de retração desses benefícios. A Lei 13.161, de 31 de agosto de 2015, aumentou as alíquotas de contribuição, e a Lei 13.670 de 30 de maio de 2018 estabeleceu um prazo final para a desoneração da folha, inicialmente marcado para 31 de dezembro de 2020, mas foi estendido até 31 de dezembro de 2023 pelas Leis 14.020/2020 e 14.288/2021.

Em outubro de 2023, o Senado aprovou o Projeto de Lei 334/23, que estendia até 2027 a política de desoneração da folha de pagamento iniciada em 2011. Esse projeto permitia que as empresas substituíssem a contribuição previdenciária tradicional de 20% sobre os salários por uma alíquota variável entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta, dependendo do setor e do serviço prestado.

No entanto, em novembro de 2023, o Presidente Lula vetou o projeto integralmente, alegando que a medida era inconstitucional devido à criação de uma renúncia de receitas sem uma avaliação adequada do seu impacto nas contas públicas. Apesar do veto presidencial, o Congresso Nacional agiu para reverter essa decisão e acabou promulgando a lei que prorrogava a desoneração por mais quatro anos, ainda em 2023. Assim, naquele momento, permanecia a desoneração até 2027.

Como resposta ao veto e buscando ajustar as contas para alcançar um déficit zero em 2024, no apagar das luzes de 2023, o governo apresentou a Medida Provisória 1.202/23. Essa MP propunha uma reoneração gradual da folha de pagamentos, dividindo as atividades em dois grupos, cada um com um cronograma de alíquotas progressivas.

Para o primeiro grupo, incluindo setores como transporte e radiodifusão, a alíquota começaria em 10% em 2024 e aumentaria progressivamente até 17,5% em 2027, retornando a 20% em 2028. O segundo grupo começaria com uma alíquota de 15% em 2024, subindo para 18,75% em 2027, antes de também retornar a 20% em 2028.

Contudo, o texto da MP foi rejeitado por Lula, e um novo projeto de lei relacionado ao tema deveria ser enviado e analisado pelo Congresso para deliberação.

Só que, contudo, entretanto, e, todavia, ainda assim não houve tempo para essa nova análise.

No final do mês de abril de 2024, o Ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633, revogou os efeitos de partes da Lei n.º 14.784/2023. Essa lei estendia a desoneração da folha de pagamento para municípios e vários setores da economia até 2027.

A revogação entrou em vigor com a publicação da decisão no Diário da Justiça Eletrônico (DJE), em 26 de abril de 2024. Com isso, a CPRB foi suspensa. As empresas anteriormente beneficiadas pela desoneração agora devem contribuir com base na folha de pagamentos, conforme estabelecido no art. 22 da Lei n.º 8.212/1991.

O julgamento está suspenso após um pedido de vista. Enquanto isso, a liminar deferida por Zanin segue válida.

A judicialização desse tema tem sido interpretada como mais um capítulo da crise dos três poderes. Essa situação não apenas estagna a capacidade de um governo de operar eficientemente, mas também pode erodir a confiança pública nas instituições. Isso se deve ao fato de que os líderes parecem mais preocupados com disputas de poder do que em administrar de forma eficiente e contribuir para um ambiente empresarial sadio.

Ah, e o adicional de 1% da COFINS sobre algumas importações? Esse adicional parece ter se escondido em um dos cantos da “casa da mãe Joana” e continua em vigor.

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